sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

O que nos faz ficar doentes É a epidemia de diagnósticos

Por H. GILBERT WELCH, LISA SCHWARTZ and STEVEN WOLOSHIN - Universidade da Califórnia, Berkeley - Tradução de Luís Peazê

Para a maioria dos americanos, a maior ameaça a sua saúde NÃO é a gripe aviária, o virus West Nilo nem o mal da vaca louca. É o nosso próprio sistema de saúde.

Você pode pensar que a razão disso é porque os médicos cometem erros (nós cometemos erros). Mas você não pode ser vítima de um erro médico, se você não faz parte do sistema. Pois, a maior ameaça que a medicina americana nos impõe é nos internalizar cada vez mais no seu sistema, não pela epidemia de doenças, mas pela epidemia de diagnósticos.

Nós americanos estamos mais longevos do que nunca, no entanto estamos cada vez mais sendo diagnosticados como doentes. Como isso pode acontecer?

Uma das razões é que destinamos (nós americanos) mais recursos para o sistema de saúde do que qualquer outro país. Alguns dos investimentos são produtivos, curam doenças e aliviam o sofrimento, mas também produzem mais diagnósticos, uma tendência que tem se tornado uma epidemia.

Esta epidemia é uma ameaça a sua saúde. E possui duas fontes distintas:

Uma fonte é a "medicalização" da vida diária. A maioria de nós experimenta sensações físicas ou emocionais desagradáveis e, no passado, essas sensações eram consideradas parte de nossas vidas. Entretanto, cada vez mais essas sensações vêm sendo consideradas sintomas de doenças. Experiências cotidianas como a insônia, tristeza, dormência nas pernas e falta de desejo sexual hoje são diagnosticadas assim: distúrbio do sono; depressão; síndrome das pernas irrequietas e disfunção sexual.

E é possível que a maior preocupação seja a medicalização da infância. Se as crianças tossem após se exercitarem, elas têm asma; se elas apresentam dificuldade par ler, são disléxicas; se elas são infelizes, é porque estão em depressão; se alternam entre infelizes e eufóricas, têm distúrbio de bipolaridade.

Se, por um lado esses diagnósticos podem beneficiar algumas pessoas com severos sintomas, por outro deve-se questionar sobre o efeito nas muitas pessoas em que esses sintomas são apenas brandos, intermitentes ou transitórios.



Como é possível todos estarmos predispostos a doenças ou em grupo de riscos?

A outra fonte é o esforço em descobrir doenças antecipadamente. Enquanto no passado os diagnósticos eram reservados para doenças graves, hoje se faz diagnósticos em pessoas sem sintoma qualquer, aquelas com a chamada "predisposição" ou que fazem parte dos "grupos de risco".

Dois desenvolvimentos aceleram esse processo.

Primeiro, a tecnologia avançada permite aos médicos procurarem de modo invasivo por aquilo que possa estar errado. Podemos detectar marcadores no sangue. Podemos direcionar dispositivos de fibras-ópticas em qualquer orifício. E mais: varreduras através de tomografias computadorizadas (CT scans), ultra-sonografias, ressonâncias magnéticas (M.R.I.) e tomografias por emissão de positróns (PET scans) permitem aos médicos definirem defeitos sutis no interior do corpo humano, tais como: artrites em pessoas com dores nas juntas; lesões estomacais (úlceras, por exemplo) em pessoas sem nenhuma queimação ou dor no estômago e câncer de próstata em milhões de pessoas as quais, não fossem por esses exames, viveriam indiferentemente e sem serem pacientes com câncer.

Segundo, as regras estão mudando. Especialistas vêm expandindo constantemente os conceitos de doença: parâmetros para diagnóstico de diabetes, hipertensão, osteoporose e obesidade têm decrescido nos últimos anos. O critério para colesterol normal tem caido múltiplas vezes. Com essas mudanças mais da metade da população pode ser diagnosticada com doenças.

A maioria de nós acredita que todos esses diagnósticos adicionais só nos beneficiam. E alguns realmente são benéficos. Mas, no final das contas, a lógica da detecção antecipada é absurda. Pois, se mais da metade da população está doente, o que significa ser normal?

Muitos de nós somos "predispostos a certas doenças" das quais, na realidade, nunca adoeceremos, e, todos nós estamos em algum "grupo de risco".

A medicalização na vida diária não é menos problemática. Tomemos o caso de nossas crianças, o que exatamente estamos fazendo a elas, sabendo que 40% dos frequentadores de acampamentos de verão estão sob prescrição crônica de um ou mais medicamentos?

Ninguém tem o direito de transformar pessoas em pacientes, mesmo que brandamente. Há prejuízos reais nisso . Simplesmente rotular pessoas como doentes pode fazê-las sentirem-se ansiosas e vulneráveis — particularmente com relação às crianças.

Mas o real problema com a epidemia de diagnóstico é que ela leva à epidemia de tratamento. Não é todo o tratamento que produz benefícios, mas quase todos podem lesar. Algumas vezes as lesões são conhecidas, mas muitas vezes as lesões provocadas por novas terapias demoram anos para emergir — após muitas pessoas terem sido expostas a essas terapias.

Para as doenças severas, essas lesões são relativas dados os benefícios potenciais do tratamento. Mas para aqueles que experimentam sintomas brandos, os malefícios se tornam muito mais relevantes. E, para as muitas pessoas rotuladas de "predispostas a doenças" ou em "grupos de risco", embora destinadas a permanecerem saudáveis, tratamentos podem causar apenas lesões ou malefícios, nenhum bem.


O inimigo é o nosso grande falso amigo

A epidemia de diagnósticos possui muitas causas. Mais diagnósticos significa mais dinheiro para a indústria farmacêutica, hospitais, grupos de médicos e advogados. Pesquisadores e até as organizações do Instituto Nacional (americano) da Saúde orientadas para doenças asseguram sua estrutura (e financiamento) promovendo a detecção de "suas" doenças. Preocupações médico-legais, da mesma forma, alimentam a epidemia. No entanto, ao passo que uma falha por não diagnosticar pode resultar numa ação judicial, não há risco de punição correspondente para o caso de uma super exposição a diagnósticos.

Deste modo, o caminho de maior inclinação para nós, clínicos, é o de diagnosticar deliberadamente — mesmo que ocasionalmente nos questionemos se agindo assim realmente ajudamos nossos pacientes.

Quanto mais nos falam que estamos doentes, menos ouvimos que estamos bem. As pessoas precisam pensar seriamente sobre os benefícios e riscos da ampliação dos diagnósticos: a principal questão que se propõe é ser ou não ser um paciente. E os médicos precisam lembrar do valor de assegurar às pessoas que elas não são doentes.

Talvez alguém devesse começar a monitorar uma nova medição da saúde: a proporção da população que não demanda cuidados médicos. E os Institutos Nacionais de Saúde (americanos) poderiam propor um novo objetivo para pesquisadores da medicina: reduzir a necessidade de serviços médicos, o contrário de aumentá-la.

Dr. Welch é autor de "Should I Be Tested for Cancer? Maybe Not and Here’s Why/ Devo Fazer Exame de Câncer? Talvez não e Aqui Está a Razão" (University of California Press). Luís Peazê está autorizado pelo próprio Dr. Welch a traduzir e publicar seus artigos e o livro acima mencionado - ora oferecido a editoras brasileiras.

Dr. Schwartz e Dr. Woloshin são pesquisadores seniores associados ao VA Outcomes Group em White River Junction, Vt.
What’s Making Us Sick Is an Epidemic of Diagnoses - New York Times 03/26/2007 09:38 AM
Copyright 2007 The New York Times Company

Este artigo foi obtido originariamente do Sr. Raul Magalhães, irmão do renomado ator Tarcisio Meira; após o Natal de 2008, Luís Peazê visitara JJ Magalhães, comodoro do Tamoios Iate Clube, Ubatuba, também irmão do famoso ator, e lá houve o encontro. Peazê presenteou o Sr Raul com um Elo Perdido da Medicina e ganhou uma cópia xerox do Sr. Raul, de uma tradução publicada no Jornal do CREMESP - Conselho Regional de Medicina de SP. Ao retornar para a Bahia, Peazê procurou o artigo orignal no New York Times e o Dr. Welch na Universidade da Califórnia e obteve a autorização do Dr. Welch para publicar todos os seus artigos neste blog, assim como um de seus livros de enorme repercussão internacional Should I Be Tested for Cancer? Maybe Not and Here’s Why/ Devo Fazer Exame de Câncer? Talvez não e Aqui Está a Razão" (University of California Press).

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Apresentação

O físico americano Richard Feynman (1918-1988), laureado com o Nobel em 1956, disse em seu livro “Lectures On Physics”, 1963, o seguinte: ” Não faz qualquer diferença o quão inteligente você é, quem produziu tal pensamento, ou qual é o seu nome .... se isso (o que você produz) estiver em desacordo com os processos da vida real, estará errado. Isso resume tudo”.

Poderíamos acrescentar que a realidade precede o conhecimento.

Transpondo essa concepção para a medicina, poderíamos dizer que toda a produção de conhecimento que estivesse em desacordo com os princípios da vida, com as dinâmicas que mantêm a vida, estaria errada. Como a vida do ser humano é um produto do universo e da natureza, podemos dizer que quando um conhecimento agride ou está em desacordo com os processos da natureza, certamente ele está errado.

Esse foi o fio condutor do que está apresentado nesse livro. Queremos mostrar o quanto a medicina atual está afastada da idéia de natureza. Tornou-se uma apologista das vias antinaturais, quando sucumbiu à terapêutica com substâncias químicas estranhas ao organismo (quimioterapia). Tornou-se refém da Indústria Quimicofarmacêutica. Perdeu completamente o seu vínculo com a vida e a natureza, e só fala da sua construção maior – a doença.

Isso não quer dizer que a medicina oficial não tenha avançado, e proporcionado benefícios importantes aos usuários. A física newtoniana também produziu conhecimentos que permitiram e ainda permitem avanços e contribuições para a humanidade, embora esteja completamente superada pela física quântica. Mas, quando se avança orientado por saberes reducionistas, precocemente se esbarra nos seus próprios limites. Esses limites devem ser identificados e a superação buscada.

O problema é que o saber e a prática estão organizados institucionalmente, como no caso da Ordem Médica. Aqui, passa a vigorar outra dinâmica e, assim, os limites, as insuficiências, as falhas, os erros, não são percebidos ou, se percebidos, perdem importância diante dos aspectos positivos. Mais do que isso, o processo de medicalização radical da vida moderna está estruturado quase como uma questão de fé. Ainda é incipiente o movimento social crítico de base cultural à medicina oficial. O aparelho de estado, através das suas agências, tende a impor o modelo único alopático, com restrição ativa às demais medicinas e modalidades terapêuticas.

Desse modo, na prática, o cidadão perde a sua liberdade de escolha terapêutica.

É preciso chamar a atenção da sociedade de que a liberdade de escolha terapêutica é uma questão da democracia, que evolui para além dos direitos políticos. Para viabilizar a liberdade terapêutica é necessário que haja produção de conhecimento e oferta de serviços no campo das medicinas não oficiais. Não adianta haver liberdade e o cidadão não conseguir exercitá-la. Nas democracias mais avançadas já existe essa consciência e os setores interessados fazem alianças sociais (usuários e profissionais) no sentido de viabilizar o seu direito de escolha terapêutica.

Não reivindicamos qualquer monopólio de verdade, pelo contrário, pretendemos quebrar o monopólio da doutrina oficial médica, e mostrar para o leitor que:

Qualquer conhecimento é parcial;

Que qualquer conhecimento é uma construção da cultura e tem a sua filiação em termos de paradigma, concepções, ideologia. Não existe uma só medicina, mas várias medicinas e sistemas médicos, por que temos várias culturas e uma pluralidade incrível de pensamento na evolução da humanidade.

Não temos também qualquer pretensão em desmontar ou demolir o grande edifício da medicina ocidental contemporânea, que se expandiu para todo o planeta.

Queremos simplesmente mostrar o elo essencial perdido da arte da medicina, os limites dessa doutrina e indicar possíveis caminhos já disponíveis para superação.

Dr. Eduardo Almeida
(Página de apresentação do livro)
"A cura deve começar muito antes do paciente chegar na sala de espera do consultório médico."
Luís Peazê